quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Os últimos serão os primeiros



2. O obreiro da última hora tem direito ao salário, mas é preciso que a sua boa vontade o haja conservado à disposição daquele que o tinha de empregar e que o seu retardamento não seja fruto da preguiça ou da má-vontade. Tem ele direito ao salário, porque desde a alvorada esperava com impaciência aquele que por fim o chamaria para o trabalho. Laborioso, apenas lhe faltava o labor.
Se, porém, se houvesse negado ao trabalho a qualquer hora do dia; se houvesse dito: "tenhamos paciência, o repouso me é agradável; quando soar a última hora é que será tempo de pensar no salário do dia; que necessidade tenho de me incomodar por um patrão a quem não conheço e não estimo! quanto mais tarde, melhor"; esse tal, meus amigos, não teria tido o salário do obreiro, mas o da preguiça.
Que dizer, então, daquele que, em vez de apenas se conservar inativo, haja empregado as horas destinadas ao labor do dia em praticar atos culposos; que haja blasfemado de Deus, derramado o sangue de seus irmãos, lançado a perturbação nas famílias, arruinado os que nele confiaram, abusado da inocência, que, enfim, se haja cevado em todas as ignominias da Humanidade? Que será desse? Bastar-lhe-á dizer à última hora: Senhor, empreguei mal o meu tempo; toma-me até ao fim do dia, para que eu execute um pouco, embora bem pouco, da minha tarefa, e dá-me o salário do trabalhador de boa vontade? Não, não; o Senhor lhe dirá: "Não tenho presentemente trabalho para te dar; malbarataste o teu tempo; esqueceste o que havias aprendido; já não sabes trabalhar na minha vinha. Recomeça, portanto, a aprender, quando te achares mais bem disposto, vem ter comigo e eu te franquearei o meu vasto campo, onde poderás trabalhar a qualquer hora do dia.
Bons espíritas, meus bem-amados, sois todos obreiros da última hora. Bem orgulhoso seria aquele que dissesse: Comecei o trabalho ao alvorecer do dia e só o terminarei ao anoitecer. Todos viestes quando fostes chamados, um pouco mais cedo, um pouco mais tarde, para a encarnação cujos grilhões arrastais; mas há quantos séculos e séculos o Senhor vos chamava para a sua vinha, sem que quisésseis penetrar nela! Eis-vos no momento de embolsar o salário; empregai bem a hora que vos resta e não esqueçais nunca que a vossa existência, por longa que vos pareça, mais não é do que um instante fugitivo na imensidade dos tempos que formam para vós a eternidade. - Constantino, Espírito Protetor. (Bordéus, 1863.)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A piedade



17. A piedade é a virtude que mais vos aproxima dos anjos; é a irmã da caridade, que vos conduz a Deus. Ah! deixai que o vosso coração se enterneça ante o espetáculo das misérias e dos sofrimentos dos vossos semelhantes. Vossas lágrimas são um bálsamo que lhes derramais nas feridas e, quando, por bondosa simpatia, chegais a lhes proporcionar a esperança e a resignação, que encanto não experimentais! Tem um certo amargor, é certo, esse encanto, porque nasce ao lado da desgraça; mas, não tendo o sabor acre dos gozos mundanos, também não traz as pungentes decepções do vazio que estes últimos deixam após si Envolve-o penetrante suavidade que enche de jubilo a alma. A piedade, a piedade bem sentida é amor; amor é devotamento; devotamento é o olvido de si mesmo e esse olvido, essa abnegação em favor dos desgraçados, é a virtude por excelência, a que em toda a sua vida praticou o divino Messias e ensinou na sua doutrina tão santa e tão sublime.
Quando esta doutrina for restabelecida na sua pureza primitiva, quando todos os povos se lhe submeterem, ela tomará feliz a Terra, fazendo que reinem aí a concórdia, a paz e o amor.
O sentimento mais apropriado a fazer que progridais, domando em vós o egoísmo e o orgulho, aquele que dispõe vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor do próximo, é a piedade! piedade que vos comove até às entranhas à vista dos sofrimentos de vossos irmãos, que vos impele a lhes estender a mão para socorrê-los e vos arranca lágrimas de simpatia. Nunca, portanto, abafeis nos vossos corações essas emoções celestes; não procedais como esses egoístas endurecidos que se afastam dos aflitos, porque o espetáculo de suas misérias lhes perturbaria por instantes a existência álacre. Temei conservar-vos indiferentes, quando puderdes ser úteis. A tranqüilidade comprada à custa de uma indiferença culposa é a tranqüilidade do mar Morto, no fundo de cujas águas se escondem a vasa fétida e a corrupção.
Quão longe, no entanto, se acha a piedade de causar o distúrbio e o aborrecimento de que se arreceia o egoísta! Sem dúvida, ao contacto da desgraça de outrem, a alma, voltando-se para si mesma, experimenta um confrangimento natural e profundo, que põe em vibração todo o ser e o abala penosamente. Grande, porém, é a compensação, quando chegais a dar coragem e esperança a uni irmão infeliz que se enternece ao aperto de uma mão amiga e cujo olhar, úmido, por vezes, de emoção e de reconhecimento, para vós se dirige docemente, antes de se fixar no Céu em agradecimento por lhe ter enviado um consolador, um amparo. A piedade é o melancólico, nas celeste precursor da caridade, primeira das virtudes que a tem por irmã e cujos benefícios ela prepara e enobrece. - Miguel. (Bordéus, 1862)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Bem e mal sofrer



18. Quando o Cristo disse: "Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence", não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha. Mas, ah! poucos sofrem bem; poucos compreendem que somente as provas bem suportadas podem conduzi-los ao reino de Deus. O desânimo é uma falta. Deus vos recusa consolações, desde que vos falte coragem. A prece é um apoio para a alma; contudo, não basta: é preciso tenha por base uma fé viva na bondade de Deus. Ele já muitas vezes vos disse que não coloca fardos pesados em ombros fracos. O fardo é proporcionado às forças, como a recompensa o será à resignação e à coragem. Mais opulenta será a recompensa, do que penosa a aflição. Cumpre, porém, merecê-la, e é para isso que a vida se apresenta cheia de tribulações.
O militar que não é mandado para as linhas de fogo fica descontente, porque o repouso no campo nenhuma ascensão de posto lhe faculta. Sede, pois, como o militar e não desejeis um repouso em que o vosso corpo se enervaria e se entorpeceria a vossa alma. Alegrai-vos, quando Deus vos enviar para a luta. Não consiste esta no fogo da batalha, mas nos amargores da vida, onde, às vezes, de mais coragem se há mister do que num combate sangrento, porquanto não é raro que aquele que se mantém firme em presença do inimigo fraqueje nas tenazes de uma pena moral. Nenhuma recompensa obtém o homem por essa espécie de coragem; mas, Deus lhe reserva palmas de vitória e uma situação gloriosa. 
Quando vos advenha uma causa de sofrimento ou de contrariedade, sobreponde-vos a ela, e, quando houverdes conseguido dominar os ímpetos da impaciência, da cólera, ou do desespero, dizei, de vós para convosco, cheio de justa satisfação: "Fui o mais forte."
Bem-aventurados os aflitos pode então traduzir-se assim: Bem-aventurados os que têm ocasião de provar sua fé, sua firmeza, sua perseverança e sua submissão à vontade de Deus, porque terão centuplicada a alegria que lhes falta na Terra, porque depois do labor virá o repouso. - Lacordaire. (Havre, 1863.)

sábado, 24 de setembro de 2011

Utilidade providencial da riqueza. Provas da riqueza e da miséria



7. Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéia que repugna à razão. Sem dúvida, pelos arrastamentos a que dá causa, pelas tentações que gera e pela fascinação que exerce, a riqueza constitui uma prova muito arriscada, mais perigosa do que a miséria. É o supremo excitante do orgulho, do egoísmo e da vida sensual. E o laço mais forte que prende o homem à Terra e lhe desvia do céu os pensamentos. Produz tal vertigem que, muitas vezes, aquele que passa da miséria à riqueza esquece de pronto a sua primeira condição, os que com ele a partilharam, os que o
ajudaram, e faz-se insensível, egoísta e vão. Mas, do fato de a riqueza tornar difícil a jornada, não se segue que a torne impossível e não possa vir a ser um meio de salvação para o que dela sabe servir-se, como certos venenos podem restituir a saúde, se empregados a propósito e com discernimento.
Quando Jesus disse ao moço que o inquiria sobre os meios de ganhar a vida eterna: "Desfase-te de todos os teus bens e segue-me", não pretendeu, decerto, estabelecer como princípio absoluto que cada um deva despojar-se do que possui e que a salvação só a esse preço se obtém; mas, apenas mostrar que o apego aos bens terrenos é um obstáculo à salvação. Aquele moço, com efeito, se julgava quite porque observara certos mandamentos e, no entanto, recusava-se à idéia de abandonar os bens de que era dono. Seu desejo de obter a vida eterna não ia até ao extremo de adquiri-la com sacrifício.
O que Jesus lhe propunha era uma prova decisiva, destinada a pôr a nu o fundo do seu pensamento. Ele podia, sem dúvida, ser um homem perfeitamente honesto na opinião do mundo, não causar dano a ninguém, não maldizer do próximo, não ser vão, nem orgulhoso, honrar a seu pai e a sua mãe. Mas, não tinha a verdadeira caridade; sua virtude não chegava até à abnegação. Isso o que Jesus quis demonstrar. Fazia uma aplicação do princípio: "Fora da caridade não há salvação".
A conseqüência dessas palavras, em sua acepção rigorosa, seria a abolição da riqueza por prejudicial à felicidade futura e como causa de uma imensidade de males na Terra; seria, ao demais, a condenação do trabalho que a pode granjear; conseqüência absurda, que reconduziria o homem à vida selvagem e que, por isso mesmo, estaria em contradição com a lei do progresso, que é lei de Deus.
Se a riqueza é causa de muitos males, se exacerba tanto as más paixões, se provoca mesmo tantos crimes, não é a ela que devemos inculpar, mas ao homem, que dela abusa, como de todos os dons de Deus. Pelo abuso, ele torna pernicioso o que lhe poderia ser de maior utilidade. E a conseqüência do estado de inferioridade do mundo terrestre. Se a riqueza somente males houvesse de produzir, Deus não a teria posto na Terra. Compete ao homem fazê-la produzir o bem. Se não é um elemento direto de progresso moral, é, sem contestação, poderoso elemento de progresso intelectual.
Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta. Cabe-lhe desobstrui-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber um dia toda a população que a sua extensão comporta. Para alimentar essa população que cresce incessantemente, preciso se faz aumentar a produção. Se a produção de um país é insuficiente, será necessário buscá-la fora.
Por isso mesmo, as relações entre os povos constituem uma necessidade. A fim de mais as facilitar, cumpre sejam destruídos os obstáculos materiais que os separam e tornadas mais rápidas as comunicações. Para trabalhos que são obra dos séculos, teve o homem de extrair os materiais até das entranhas da terra; procurou na Ciência os meios de os executar com maior segurança e rapidez. Mas, para os levar a efeito, precisa de recursos: a necessidade fê-lo criar a riqueza, como o fez descobrir a Ciência. A atividade que esses mesmos trabalhos impõem lhe amplia e desenvolve a inteligência, e essa inteligência que ele concentra, primeiro, na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não mais grandes trabalhos, nem atividade, nem estimulante, nem pesquisas. Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Limites da encarnação



24. Quais os limites da encarnação?
A bem dizer, a encarnação carece de limites precisamente traçados, se tivermos em vista apenas o envoltório que constitui o corpo do Espírito, dado que a materialidade desse envoltório diminui à proporção que o Espírito se purifica. Em certos mundos mais adiantados do que a Terra, já ele é menos compacto, menos pesado e menos grosseiro e, por conseguinte, menos sujeito a vicissitudes.
Em grau mais elevado, é diáfano e quase fluídico. Vai desmaterializando-se de grau em grau e acaba por se confundir com o perispírito. Conforme o mundo em que é levado a viver, o Espírito reveste o invólucro apropriado à natureza desse mundo.
O próprio periespírito passa por transformações sucessivas. Torna-se cada vez mais etéreo, até à depuração completa, que é a condição dos puros Espíritos. Se mundos especiais são destinados a Espíritos de grande adiantamento, estes últimos não lhes ficam presos, como nos mundos inferiores. O estado de desprendimento em que se encontram lhes permite ir a toda parte onde os chamem as missões que lhes estejam confiadas.
Se se considerar do ponto de vista material a encarnação, tal como se verifica na Terra, poder-se-á dizer que ela se limita aos mundos inferiores. Depende, portanto, de o Espírito libertar-se dela mais ou menos rapidamente, trabalhando pela sua purificação. 
Deve também considerar-se que no estado de desencarnado, isto é, no intervalo das existências corporais, a situação do Espírito guarda relação com a natureza do mundo a que o liga o grau do seu adiantamento. Assim, na erraticidade, é ele mais ou menos ditoso, livre e esclarecido, conforme está mais ou menos desmaterializado. S. Luís. (Paris, 1859.)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Fazer o bem sem ostentação



1. Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que está nos céus. - Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. - Quando derdes esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; - a fim de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em segredo, vos recompensará. - (S. MATEUS, cap. VI, vv. 1 a 4.)

2. Tendo Jesus descido do monte, grande multidão o seguiu. - Ao mesmo tempo, um leproso veio ao seu encontro e o adorou, dizendo: Senhor, se quiseres, poderás curar-me. - Jesus, estendendo a mão, o tocou e disse: Quero-o, fica curado; no mesmo instante desapareceu a lepra. - Disse-lhe então Jesus: abstém-te de falar disto a quem quer que seja; mas, vai mostrar-te aos sacerdotes e oferece o dom prescrito por Moisés, a fim de que lhes sirva de prova. (S. MATEUS, cap. VIII, vv. 1 a 4.)

3. Em fazer o bem sem ostentação há grande mérito; ainda mais meritório é ocultar a mão que dá; constitui marca incontestável de grande superioridade moral, porquanto, para encarar as coisas de mais alto do que o faz o vulgo, mister se torna abstrair da vida presente e identificar-se com a vida futura; numa palavra, colocar-se acima da Humanidade, para renunciar à satisfação que advém do testemunho dos homens e esperar a aprovação de Deus. 
Aquele que prefere ao de Deus o sufrágio dos homens prova que mais fé deposita nestes do  que na Divindade e que mais valor dá à vida presente do que à futura. Se diz o contrário, procede como se não cresse no que diz. 
Quantos há que só dão na esperança de que o que recebe irá bradar por toda a parte o benefício recebido! Quantos os que, de público, dão grandes somas e que, entretanto, às ocultas, não dariam uma só moeda! Foi por isso que Jesus declarou: "Os que fazem o bem ostentosamente já receberam sua recompensa." Com efeito, aquele que procura a sua própria glorificação na Terra, pelo bem que pratica, já se pagou a si mesmo; Deus nada mais lhe deve; só lhe resta receber a punição do seu orgulho.
Não saber a mão esquerda o que dá a mão direita é uma imagem que caracteriza admiravelmente a beneficência modesta. Mas, se há a modéstia real, também há a falsa modéstia, o simulacro da modéstia. Há pessoas que ocultam a mão que dá, tendo, porém, o cuidado de deixar aparecer um pedacinho, olhando em volta para verificar se alguém não o terá visto ocultá-la. Indigna paródia das máximas do Cristo! Se os benfeitores orgulhosos são depreciados entre os homens, que não será perante Deus? Também esses já receberam na Terra sua recompensa. Foram vistos; estão satisfeitos por terem sido vistos. E tudo o que terão.
E qual poderá ser a recompensa do que faz pesar os seus benefícios sobre aquele que os recebe, que lhe impõe, de certo modo, testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição, exaltando o preço dos sacrifícios a que se vota para beneficiá-lo? Oh! para esse, nem mesmo a recompensa terrestre existe, porquanto ele se vê privado da grata satisfação de ouvir bendizer-lhe do nome e é esse o primeiro castigo do seu orgulho. As lágrimas que seca por vaidade, em vez de subirem ao Céu, recaíram sobre o coração do aflito e o ulceraram. Do bem que praticou nenhum proveito lhe resulta, pois que ele o deplora, e todo benefício deplorado é moeda falsa e sem valor.
A beneficência praticada sem ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é caridade moral, visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a dignidade de homem, porquanto aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber uma esmola. Ora, converter em esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é humilhar o que o recebe, e, em humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade. A verdadeira caridade, ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o benefício, no evitar até as simples aparências capazes de melindrar, dado que todo atrito moral aumenta o sofrimento que se origina da necessidade.
Ela sabe encontrar palavras brandas e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em presença do benfeitor, ao passo que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele a quem presta serviço. Eis o que significam estas palavras: "Não saiba a mão esquerda o que dá a direita." 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A virtude



8. A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham pequenas enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz ostentação da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome, não gosta de estadear-se. Adivinham-na;
ela, porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. S. Vicente de Paulo era virtuoso; eram virtuosos o digno cura d'Ars e muitos outros quase desconhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem ignoravam que fossem virtuosos; deixavam-se ir ao sabor de suas santas inspirações e praticavam o bem com desinteresse completo e inteiro esquecimento de si mesmos.
À virtude assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar-vos. Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas qualidades. Não imiteis o homem que se apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude que assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de odiosas covardias.
Em princípio, o homem que se exalça, que ergue uma estátua à sua própria virtude, anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boamente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios, degenera em amor-próprio.
O vós todos a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe da perfeição está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é uma graça que desejo a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O jugo leve



1. Vinde a mim, todos vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo. (S. MATEUS, cap. XI, vv. 28 a 30.)

2. Todos os sofrimentos: misérias, decepções, dores físicas, perda de seres amados, encontram consolação em a fé no futuro, em a confiança na justiça de Deus, que o Cristo veio ensinar aos homens. Sobre aquele que, ao contrário, nada espera após esta vida, ou que simplesmente duvida, as aflições caem com todo o seu peso e nenhuma esperança lhe mitiga o amargor. Foi isso que levou Jesus a dizer: "Vinde a mim todos vós que estais fatigados, que eu vos aliviarei."
Entretanto, faz depender de uma condição a sua assistência e a felicidade que promete aos aflitos. Essa condição está na lei por ele ensinada. Seu jugo é a observância dessa lei; mas, esse jugo é leve e a lei é suave, pois que apenas impõe, como dever, o amor e a caridade.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Escândalos. Se a vossa mão é motivo de escândalo, cortai-a




11. Se algum escandalizar a um destes pequenos que crêem em mim, melhor fora que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós que um asno faz girar e que o lançassem no fundo do mar.
Ai do mundo por causa dos escândalos (1); pois é necessário que venham escândalos; mas, ai do homem por quem o escândalo venha. Tende muito cuidado em não desprezar um destes pequenos. Declaro-vos que seus anjos no céu vêem incessantemente a face de meu Pai que está nos céus, porquanto o Filho do Homem veio salvar o que estava perdido.
Se a vossa mão ou o vosso pé vos é objeto de escândalo, cortai-os e lançai-os longe de vós; melhor será para vós que entreis na vida tendo um só pé ou uma só mão, do que terdes dois e serdes lançados no fogo eterno. - Se o vosso olho vos é objeto de escândalo, arrancai-o e lançai-o longe de vós; melhor para vós será que entreis na vida tendo um só olho, do que terdes dois e serdes precipitados no fogo do inferno. (S. MATEUS, cap. XVIII, vv. 6 a 11; V, vv. 29 e 30.)

12. No sentido vulgar, escândalo se diz de toda ação que de modo ostensivo vá de encontro à moral ou ao decoro. O escândalo não está na ação em si mesma, mas na repercussão que possa ter. A palavra escândalo implica sempre a idéia de um certo arruído. Muitas pessoas se contentam com evitar o escândalo, porque este lhes faria sofrer o orgulho, lhes acarretaria perda de consideração da parte dos homens. Desde que as suas torpezas fiquem ignoradas, é quanto basta para que se lhes conserve em repouso a consciência. São, no dizer de Jesus: “sepulcros branqueados por fora, mas cheios, por dentro, de podridões; vasos limpos no exterior e sujos no interior".
No sentido evangélico, a acepção da palavra escândalo, tão amiúde empregada, é muito mais geral, pelo que, em certos casos, não se lhe apreende o significado. Já não é somente o que afeta a consciência de outrem, é tudo o que resulta dos vícios e das imperfeições humanas, toda reação má de um indivíduo para outro, com ou sem repercussão. O escândalo, neste caso, é o resultado efetivo do mal moral.
13. É preciso que haja escândalo no mundo, disse Jesus, porque, imperfeitos como são na Terra, os homens se mostram propensos a praticar o mal, e porque, árvores más, só maus frutos dão. Deve-se, pois, entender por essas palavras que o mal é uma conseqüência da imperfeição dos homens e não que haja, para estes, a obrigação de praticá-lo. 
14. É necessário que o escândalo venha, porque, estando em expiação na Terra, os homens se punem a si mesmos pelo contacto de seus vícios, cujas primeiras vitimas são eles próprios e cujos inconvenientes acabam por compreender. Quando estiverem cansados de sofrer devido ao mal, procurarão remédio no bem. A reação desses vícios serve, pois, ao mesmo tempo, de castigo para uns e de provas para outros. E assim que do mal tira Deus o bem e que os próprios homens utilizam as coisas más ou as escórias.
15. Sendo assim, dirão, o mal é necessário e durará sempre, porquanto, se desaparecesse, Deus se veria privado de um poderoso meio de corrigir os culpados. Logo, é inútil cuidar de melhorar os homens. Deixando, por m, de haver culpados, também desnecessário se tornariam quaisquer castigos. Suponhamos que a Humanidade se transforme e passe a ser constituída de homens de bem: nenhum pensará em fazer mal ao seu próximo e todos serão ditosos por serem bons. Tal a condição dos mundos elevados, donde já o mal foi banido; tal virá a ser a da Terra, quando houver progredido bastante. Mas, ao mesmo tempo que alguns mundos se adiantam, outros se formam, povoados de Espíritos primitivos e que, além disso, servem de habitação, de exílio e de estância expiatória a Espíritos imperfeitos, rebeldes, obstinados no mal, expulsos de mundos que se tornaram felizes.
16. Mas, ai daquele por quem venha o escândalo. Quer dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que a seu mau grado servir de instrumento à justiça divina, aquele cujos maus instintos foram utilizados, nem por isso deixou de praticar o mal e de merecer punição. Assim é, por exemplo, que um filho ingrato é uma punição ou uma prova para o pai que sofre com isso, porque esse pai talvez tenha sido também um mau filho que fez sofresse seu pai. Passa ele pela pena de talião. Mas, essa circunstancia não pode servir de escusa ao filho que, a seu turno, terá de ser castigado em seus próprios filhos, ou de outra maneira.
17. Se vossa mão é causa de escândalo, cortai-a. Figura enérgica esta, que seria absurda se tomada ao pé da letra, e que apenas significa que cada um deve destruir em si toda causa de escândalo, isto é, de mal; arrancar do coração todo sentimento impuro e toda tendência viciosa. Quer dizer também que, para o homem, mais vale ter cortada uma das mãos, antes que servir essa mão de instrumento para uma ação má; ficar privado da vista, antes que lhe servirem os olhos para conceber maus pensamentos. Jesus nada disse de absurdo, para quem quer que apreenda o sentido alegórico e profundo de suas palavras.
Muitas coisas, entretanto, não podem ser compreendidas sem a chave que para as decifrar o  Espiritismo faculta. 

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(1) Nas traduções mais recentes e mais fiéis da Bíblia, a palavra escândalo está expressa por tropeço (na tradução em Esperanto falilo), querendo significar que Jesus se referia a tudo o que leva o homem à queda: o mau exemplo, princípios falsos, abuso do poder, etc. - A Editora.

domingo, 18 de setembro de 2011

A verdadeira propriedade



9. O homem só possui em plena propriedade aquilo que lhe é dado levar deste mundo. Do que encontra ao chegar e deixa ao partir goza ele enquanto aqui permanece. Forçado, porém, que é a abandonar tudo isso, não tem das suas riquezas a posse real, mas, simplesmente, o usufruto. Que é então o que ele possui? Nada do que é de uso do corpo; tudo o que é de uso da alma: a inteligência, os conhecimentos, as qualidades morais. Isso o que ele traz e leva consigo, o que ninguém lhe pode arrebatar, o que lhe será de muito mais utilidade no outro mundo do que neste. Depende dele ser mais rico ao partir do que ao chegar, visto como, do que tiver adquirido em bem, resultará a sua posição futura. 
Quando alguém vai a um país distante, constitui a sua bagagem de objetos utilizáveis nesse país; não se preocupa com os que ali lhe seriam inúteis. Procedei do mesmo modo com relação à vida futura; aprovisionai-vos de tudo o de que lá vos possais servir. Ao viajante que chega a um albergue, bom alojamento é dado, se o pode pagar. A outro, de parcos recursos, toca um menos agradável. Quanto ao que nada tenha de seu, vai dormir numa enxerga. O mesmo sucede ao homem, a sua chegada no mundo dos Espíritos: depende dos seus haveres o lugar para onde vá. Não será, todavia, com o seu ouro que ele o pagará. Ninguém lhe perguntará: Quanto tinhas na Terra? Que posição ocupavas? Eras príncipe ou operário? Perguntar-lhe-ão: Que trazes contigo? Não se lhe avaliarão os bens, nem os títulos, mas a soma das virtudes que possua. Ora, sob esse aspecto, pode o operário ser mais rico do que o príncipe. Em vão alegará que antes de partir da Terra pagou a peso de ouro a sua entrada no outro mundo. Responder-lhe-ão: Os lugares aqui não se compram: conquistam-se por meio da prática do bem. Com a moeda terrestre, hás podido comprar campos, casas, palácios; aqui, tudo se paga com as qualidades da alma. És rico dessas qualidades? Sê bem-vindo e vai para um dos lugares da primeira categoria, onde te esperam todas as venturas. És pobre delas? Vai para um dos da última, onde serás tratado de acordo com os teus haveres. - Pascal. (Genebra, 1860.)

sábado, 17 de setembro de 2011

Se alguém vos bater na face direita, apresentai-lhe também a outra



7. Aprendestes que foi dito: olho por olho e dente por dente. - Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal que vos queiram fazer; que se alguém vos bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; - e que se alguém quiser pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhes entregueis o manto; - e que se alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil. - Dai àquele que vos pedir e não repilais aquele que vos queira tomar emprestado. (S. MATEUS, cap. V, vv. 38 a 42.)
8. Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar "ponto de honra" produzem essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a retribuir uma injúria com outra injúria, uma ofensa com outra, o que é tido como justiça por aquele cujo senso moral não se acha acima do nível das paixões terrenas. Por isso é que a lei moisaica prescrevia: olho por olho, dente por dente, de harmonia com a época em que Moisés vivia. Veio o Cristo e disse: Retribui o mal com o bem. E disse ainda: "Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos bater numa face, apresentai-lhe a outra.” Ao orgulhoso este ensino parecerá uma covardia, porquanto ele não compreende que haja mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança, e não compreende, porque sua visão não pode ultrapassar o presente. 
Dever-se-á, entretanto, tomar ao pé da letra aquele preceito? Tampouco quanto o outro que manda se arranque o olho, quando for causa de escândalo. Levado o ensino às suas últimas conseqüências, importaria ele em condenar toda repressão, mesmo legal, e deixar livre o campo aos maus, isentando-os de todo e qualquer motivo de temor. Se se lhes não pusesse um freio as agressões, bem depressa todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da Natureza, obsta a que alguém estenda o pescoço ao assassino. Enunciando, pois, aquela máxima, não pretendeu Jesus interdizer toda defesa, mas condenar a vingança. Dizendo que apresentemos a outra face àquele que nos haja batido numa, disse, sob outra forma, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os outros. E, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação de orgulho. Somente a fé na vida futura e na justiça de Deus, que jamais deixa impune o mal, pode dar ao homem forças para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e no amor-próprio. Daí vem o repetirmos incessantemente: Lançai para diante o olhar; quanto mais vos elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos magoarão as coisas da Terra.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O divórcio



5. O divórcio é lei humana que tem por objeto separar legalmente o que já, de fato, está separado. Não é contrário à lei de Deus, pois que apenas reforma o que os homens hão feito e só é aplicável nos casos em que não se levou em conta a lei divina. Se fosse contrario a essa lei, a própria Igreja seria obrigada a considerar prevaricadores aqueles de seus chefes que, por autoridade própria e em nome da religião, hão imposto o divórcio em mais de uma ocasião. E dupla seria aí a prevaricação, porque, nesses casos, o divórcio há obje-tivado unicamente interesses materiais e não a satisfação da lei de amor.
Mas, nem mesmo Jesus consagrou a indissolubilidade absoluta do casamento. Não disse ele: "Foi por causa da dureza dos vossos corações que Moisés permitiu despedísseis vossas mulheres?" Isso significa que, já ao tempo de Moisés, não sendo a afeição mútua a única determinante do casamento, a separação podia tornar-se necessária. Acrescenta, porém: "no princípio, não foi assim", isto é, na origem da Humanidade, quando os homens ainda não estavam pervertidos pelo egoísmo e pelo orgulho e viviam segundo a lei de Deus, as uniões, derivando da simpatia, e não da vaidade ou da ambição, nenhum ensejo davam ao repúdio.
Vai mais longe: especifica o caso em que pode dar-se o repúdio, o de adultério. Ora, não existe adultério onde reina sincera afeição recíproca. É verdade que ele proíbe ao homem desposar a mulher repudiada; mas, cumpre se tenham em vista os costumes e o caráter dos homens daquela época. A lei moisaica, nesse caso, prescrevia a lapidação. Querendo abolir um uso bárbaro, precisou de uma penalidade que o substituísse e a encontrou no opróbrio que adviria da proibição de um segundo casamento. Era, de certo modo, uma lei civil substituída por outra lei civil, mas que, como todas as leis dessa natureza, tinha de passar pela prova do tempo. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Convidar os pobres e os estropiados. Dar sem esperar retribuição



7. Disse também àquele que o convidara: Quando derdes um jantar ou uma ceia, não convideis nem os vossos amigos, nem os vossos irmãos, nem os vossos parentes, nem os vossos vizinhos que forem ricos, para que em seguida não vos convidem a seu turno e assim retribuam o que de vós receberam. - Quando derdes um festim, convidai para ele os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. - E sereis ditosos por não terem eles meios de vo-lo retribuir, pois isso será retribuído na ressurreição dos justos. Um dos que se achavam à mesa, ouvindo essas palavras, disse-lhe: Feliz do que comer do pão no reino de Deus! (S. LUCAS, cap. XIV, vv. 12 a 15.)
8. "Quando derdes um festim, disse Jesus, não convideis para ele os vossos amigos, mas os pobres e os estropiados." Estas palavras, absurdas, se tomadas ao pé da letra, são sublimes, se lhes buscarmos o espírito. Não é possível que Jesus haja pretendido que, em vez de seus amigos, alguém reúna à sua mesa os mendigos da rua. Sua linguagem era quase sempre figurada e, para os homens incapazes de apanhar os delicados matizes do pensamento, precisava servir-se de imagens fortes, que produzissem o efeito de um colorido vivo. O âmago do seu pensamento se revela nesta proposição: "E sereis ditosos por não terem eles meios de vo-lo retribuir." Quer dizer que não se deve fazer o bem tendo em vista uma retribuição, mas tão-só pelo prazer de o praticar. Usando de uma comparação vibrante, disse: Convidai para os vossos festins os pobres, pois sabeis que eles nada vos podem retribuir. Por festins deveis entender, não os repastos propriamente ditos, mas a participação na abundância de que desfrutais.
Todavia, aquela advertência também pode ser aplicada em sentido mais literal. Quantos não convidam para suas mesas apenas os que podem, como eles dizem, fazer-lhes honra, ou, a seu turno, convidá-los! Outros, ao contrário, encontram satisfação em receber os parentes e amigos menos felizes. Ora, quem não os conta entre os seus? Dessa forma, grande serviço, às vezes, se lhes presta, sem que o pareça. Aqueles, sem irem recrutar os cegos e os estropiados, praticam a máxima de Jesus, se o fazem por benevolência, sem ostentação, e sabem dissimular o benefício, por meio de uma sincera cordialidade.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A porta estreita



3. Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta da perdição e espaçoso o caminho que a ela conduz, e muitos são os que por ela entram. - Quão pequena é a porta da vida! quão apertado o caminho que a ela conduz! e quão poucos a encontram! (S. MATEUS, cap. VII, vv. 13 e 14.)

4. Tendo-lhe alguém feito esta pergunta: Senhor, serão poucos os que se salvam? Respondeu-lhes ele: - Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois vos asseguro que muitos procurarão transpô-la e não o poderão. - E quando o pai de família houver entrado e fechado a porta, e vós, de fora, começardes a bater, dizendo: Senhor, abre-nos; ele vos responderá: não sei donde sois: - Pôr-vos-eis a dizer: Comemos e bebemos na tua presença e nos instruíste nas nossas praças públicas. - Ele vos responderá: Não sei donde sois; afastai-vos de mim, todos vós que praticais a iniquidade. 
Então, haverá prantos e ranger de dentes, quando virdes que Abraão, Isaac, Jacob e todos os profetas estão no reino de Deus e que vós outros sois dele expelidos. - Virão muitos do Oriente e do Ocidente, do Setentrião e do Meio-Dia, que participarão do festim no reino de Deus. - Então, os que forem últimos serão os primeiros e os que forem primeiros serão os últimos. - (S. LUCAS, cap. XIII, vv. 23 a 30.)

5. Larga é a porta da perdição, porque são numerosas as paixões más e porque o maior número envereda pelo caminho do mal. E estreita a da salvação, porque a grandes esforços sobre si mesmo é obrigado o homem que a queira transpor, para vencer suas más tendências, coisa a que poucos se resignam. E o complemento da máxima: "Muitos são os chamados e poucos os escolhidos."
Tal o estado da Humanidade terrena, porque, sendo a Terra mundo de expiação, nela predomina o mal. Quando se achar transformada, a estrada do bem será a mais freqüentada. Aquelas palavras devem, pois, entender-se em sentido relativo e não em sentido absoluto. Se houvesse de ser esse o estado normal da Humanidade, teria Deus condenado à perdição a imensa maioria das suas criaturas, suposição inadmissível, desde que se reconheça que Deus é todo justiça e bondade.
Mas, de que delitos esta Humanidade se houvera feito culpada para merecer tão triste sorte, no presente e no futuro, se toda ela se achasse degredada na Terra e se a alma não tivesse tido outras existências? Por que tantos entraves postos diante de seus passos? Por que essa porta tão estreita que só a muito poucos é dado transpor, se a sorte da alma é determinada para sempre, logo após a morte? Assim é que, com a unicidade da existência, o homem está sempre em contradição consigo mesmo e com a justiça de Deus. Com a anterioridade da alma e a pluralidade dos mundos, o horizonte se alarga; faz-se luz sobre os pontos mais obscuros da fé; o presente e o futuro tornam-se solidários com o passado, e só então se pode compreender toda a profundeza. toda a verdade e toda a sabedoria das máximas do Cristo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

OS QUE SÃO MISERICORDIOSOS



21. Haverá casos em que convenha se desvende o mal de outrem?
É muito delicada esta questão e, para resolvê-la, necessário se toma apelar para a caridade bem compreendida. Se as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá nunca em divulgá-la. Se, porém, podem acarretar prejuízo a terceiros, deve-se atender de preferência ao interesse do maior número. Segundo as circunstâncias, desmascarar a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever, pois mais vale caia um homem, do que virem muitos a ser suas vítimas. Em tal caso, deve-se pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes. - São Luís. (Paris, 1860.)

domingo, 11 de setembro de 2011

A cólera



9. O orgulho vos induz a julgar-vos mais do que sois; a não suportardes uma comparação que vos possa rebaixar; a vos considerardes, ao contrário, tão acima dos vossos irmãos, quer em espírito, quer em posição social, quer mesmo em vantagens pessoais, que o menor paralelo vos irrita e aborrece. Que sucede então? - Entregais-vos à cólera. 
Pesquisai a origem desses acessos de demência passageira que vos assemelham ao bruto, fazendo-vos perder o sangue-frio e a razão; pesquisai e, quase sempre, deparareis com o orgulho ferido. Que é o que vos faz repelir, coléricos, os mais ponderados conselhos, senão o orgulho ferido por uma contradição? Até mesmo as impaciências, que se originam de contrariedades muitas vezes pueris, decorrem da importância que cada um liga à sua personalidade, diante da qual entende que todos se devem dobrar.
Em seu frenesi, o homem colérico a tudo se atira: à natureza bruta, aos objetos inanimados, quebrando-os porque lhe não obedecem. Ah! se nesses momentos pudesse ele observar-se a sangue-frio, ou teria medo de si próprio, ou bem ridículo se acharia! Imagine ele por aí que impressão produzirá nos outros. Quando não fosse pelo respeito que deve a si mesmo, cumpria-lhe esforçar-se por vencer um pendor que o torna objeto de piedade. 
Se ponderasse que a cólera a nada remedeia, que lhe altera a saúde e compromete até a vida, reconheceria ser ele próprio a sua primeira vítima. Mas, outra consideração, sobretudo, devera contê-lo, a de que torna infelizes todos os que o cercam. Se tem coração, não lhe será motivo de remorso fazer que sofram os entes a quem mais ama? E que pesar mortal se, num acesso de fúria, praticasse um ato que houvesse de deplorar toda a sua vida!
Em suma, a cólera não exclui certas qualidades do coração, mas impede se faça muito bem e pode levar à prática de muito mal. Isto deve bastar para induzir o homem a esforçar-se pela dominar. O espírita, ao demais, é concitado a isso por outro motivo: o de que a cólera é contrária à caridade e à humildade cristãs. - Um Espírito protetor. (Bordéus, 1863.)

sábado, 10 de setembro de 2011

Advento de Espírito de Verdade



8. Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Seu poder cobre a Terra e, por toda a parte, junto de cada lágrima colocou ele um bálsamo que consola. A abnegação e o devotamento são uma prece continua e encerram um ensinamento profundo. A sabedoria humana reside nessas duas palavras. Possam todos os Espíritos sofredores compreender essa verdade, em vez de clamarem contra suas dores, contra os sofrimentos morais que neste mundo vos cabem em partilha. Tomai, pois, por divisa estas duas palavras: devotamento e abnegação, e sereis fortes, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõe. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto menos forte se sente, quanto mais profundamente golpeado é o espírito. - O Espírito de Verdade. (Havre, 1863.)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Preservar-se da avareza



3. Então, no meia do turba, um homem lhe disse: Mestre, dize a meu irmão que divida comigo a herança que nos tocou. - Jesus lhe disse: Ó homem! quem me designou para vos julgar, ou para fazer as vossas partilhas? - E acrescentou: Tende o cuidado de preservar-vos de toda a avareza, seja qual for a abundância em que o homem se encontre, sua vida não depende dos bens que ele possua.
Disse-lhes a seguir esta parábola: Havia um rico homem cujas terras tinham produzido extraordinariamente - e que se entretinha a pensar consigo mesmo, assim: Que hei de fazer, pois já não tenho lugar onde possa encerrar tudo o que vou colher? - Aqui está, disse, o que farei: Demolirei os meus celeiros e construirei outros maiores, onde porei toda a minha colheita e todos os meus bens. - E direi a minha alma: Minha alma, tens de reserva muitos bens para longos anos; repousa, come, bebe, goza. Mas, Deus, ao mesmo tempo, disse ao homem: Que insensato és! Esta noite mesmo tomar-te-ão a alma; para que servirá o que acumulaste?
É o que acontece àquele que acumula tesouros para si próprio e que não é rico diante de Deus. (S. LUCAS, cap. XII, vv. 13 a 21.)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O dever



7. O dever é a obrigação moral da criatura para consigo mesma, primeiro, e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida. Com ele deparamos nas mais ínfimas particularidades, como nos atos mais elevados. Quero aqui falar apenas do dever moral e não do dever que as profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir-se, por se achar em antagonismo com as atrações do interesse e do coração. Não têm testemunhas as suas vitórias e não estão sujeitas à repressão suas derrotas. O dever íntimo do homem fica entregue ao seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, guardião da probidade interior, o adverte e sustenta; mas, muitas vezes, mostra-se impotente diante dos sofismas da paixão. Fielmente observado, o dever do coração eleva o homem; como determiná-lo, porém, com exatidão? Onde começa ele? onde termina? O dever principia, para cada um de vós, exatamente no ponto em que ameaçais a felicidade ou a tranqüilidade do vosso próximo; acaba no limite que não desejais ninguém transponha com relação a vós.
Deus criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou instruídos, sofrem todos pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue em sã consciência o mal que pode fazer. Com relação ao bem, infinitamente vário nas suas expressões, não é o mesmo o critério. A igualdade em face da dor é uma sublime providência de Deus, que quer que todos os seus filhos, instruídos pela experiência comum, não pratiquem o mal, alegando ignorância de seus efeitos.
O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta; é austero e brando; pronto a dobrar-se às mais diversas complicações, conserva-se inflexível diante das suas tentações. O homem que cumpre o seu dever ama a Deus mais do que as criaturas e ama as criaturas mais do que a si mesmo. E a um tempo juiz e escravo em causa própria.
O dever é o mais belo laurel da razão; descende desta como de sua mãe o filho. O homem tem de amar o dever, não porque preserve de males a vida, males aos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas porque confere à alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.
O dever cresce e irradia sob mais elevada forma, em cada um dos estágios superiores da Humanidade. Jamais cessa a obrigação moral da criatura para com Deus. Tem esta de refletir as virtudes do Eterno, que não aceita esboços imperfeitos, porque quer que a beleza da sua obra resplandeça a seus próprios olhos. - Lázaro. (Paris, 1863.)

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A lei de amor




8. O amor resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito. Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas. A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres; extingue as misérias sociais. Ditoso aquele que, ultrapassando a sua humanidade, ama com amplo amor os seus irmãos em sofrimento! ditoso aquele que ama, pois não conhece a miséria da alma, nem a do corpo. Tem ligeiros os pés e vive como que transportado, fora de si mesmo. Quando Jesus pronunciou a divina palavra - amor, os povos sobressaltaram-se e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo.
O Espiritismo a seu turno vem pronunciar uma segunda palavra do alfabeto divino. Estai atentos, pois que essa palavra ergue a lápide dos túmulos vazios, e a reencarnação, triunfando da morte, revela às criaturas deslumbradas o seu patrimônio intelectual. Já não é ao suplício que ela conduz o homem: conduzi-lo à conquista do seu ser, elevado e transfigurado. O sangue resgatou o Espírito e o Espírito tem hoje que resgatar da matéria o homem.
Disse eu que em seus começos o homem só instintos possuía. Mais próximo, portanto, ainda se acha do ponto de partida, do que da meta, aquele em quem predominam os instintos. A fim de avançar para a meta, tem a criatura que vencer os instintos, em proveito dos sentimentos, isto é, que aperfeiçoar estes últimos, sufocando os germes latentes da matéria.
Os instintos são a germinação e os embriões do sentimento; trazem consigo o progresso, como a glande encerra em si o carvalho, e os seres menos adiantados são os que, emergindo pouco a pouco de suas crisálidas, se conservam escravizados aos instintos. O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual, que vos granjeará muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa. E então que, compreendendo a lei de amor que liga todos os seres, buscareis nela os gozos suavíssimos da alma, prelúdios das alegrias celestes. - Lázaro. (Paris, 1862.)

9. O amor é de essência divina e todos vós, do primeiro ao último, tendes, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado. E fato, que já haveis podido comprovar muitas vezes, este: o homem, por mais abjeto, vil e criminoso que seja, vota a um ente ou a um objeto qualquer viva e ardente afeição, à prova de tudo quanto tendesse a diminuí-la e que alcança, não raro, sublimes proporções.
A um ente ou um objeto qualquer, disse eu, porque há entre vós indivíduos que, com o coração a transbordar de amor, despendem tesouros desse sentimento com animais, plantas e, até, com coisas materiais: espécies de misantropos que, a se queixarem da Humanidade em geral e a resistirem ao pendor natural de suas almas, que buscam em torno de si a afeição e a simpatia, rebaixam a lei de amor à condição de instinto. Entretanto, por mais que façam, não logram sufocar o gérmen vivaz que Deus lhes depositou nos corações ao criá-los. Esse gérmen se desenvolve e cresce com a moralidade e a inteligência e, embora comprimido amiúde pelo egoísmo, torna-se a fonte das santas e doces virtudes que geram as afeições sinceras e duráveis e ajudam a criatura a transpor o caminho escarpado e árido da existência humana.
Há pessoas a quem repugna a reencarnação, com a idéia de que outros venham a partilhar das afetuosas simpatias de que são ciosas. Pobres irmãos! o vosso afeto vos torna egoístas; o vosso amor se restringe a um círculo íntimo de parentes e de amigos, sendo-vos indiferentes os demais. Pois bem! para praticardes a lei de amor, tal como Deus o entende, preciso se faz chegueis passo a passo a amar a todos os vossos irmãos indistintamente. A tarefa é longa e difícil, mas cumprir-se-á: Deus o quer e a lei de amor constitui o primeiro e o mais importante preceito da vossa nova doutrina, porque é ela que um dia matará o egoísmo, qualquer que seja a forma sob que se apresente, dado que, além do egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade. Disse Jesus: "Amai o vosso próximo como a vós mesmos." Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não; é a Humanidade inteira. Nos mundos superiores, o amor recíproco é que harmoniza e dirige os Espíritos adiantados que os habitam, e o vosso planeta, destinado a realizar em breve sensível progresso, verá seus habitantes, em virtude da transformação social por que passará, a praticar essa lei sublime, reflexo da Divindade.
Os efeitos da lei de amor são o melhoramento moral da raça humana e a felicidade durante a vida terrestre. Os mais rebeldes e os mais viciosos se reformarão, quando observarem os benefícios resultantes da prática deste preceito: Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam: fazei-lhes, ao contrário, todo o bem que vos esteja ao alcance fazer-lhes.
Não acrediteis na esterilidade e no endurecimento do coração humano; ao amor verdadeiro, ele, a seu mau grado, cede. E um ímã a que não lhe é possível resistir. O contato desse amor vivifica e fecunda os germens que dele existem, em estado latente, nos vossos corações. A Terra, orbe de provação e de exílio, será então purificada por esse fogo sagrado e verá praticados na sua superfície a caridade, a humildade, a paciência, o devotamento, a abnegação, a resignação e o sacrifício, virtudes todas filhas do amor. Não vos canseis, pois, de escutar as palavras de João, o Evangelista. Como sabeis, quando a enfermidade e a velhice o obrigaram a suspender o curso de suas prédicas, limitava-se a repetir estas suavíssimas palavras: Meus filhinhos, amai-vos uns aos outros."
Amados irmãos, aproveitai dessas lições; é difícil o praticá-las, porém, a alma colhe delas imenso bem. Crede-me, fazei o sublime esforço que vos peço: "Amai-vos" e vereis a Terra em breve transformada num Paraíso onde as almas dos justos virão repousar. - Fénelon. 
(Bordéus, 1861.)

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cuidar do corpo e do espírito



11. Consistirá na maceração do corpo a perfeição moral? Para resolver essa questão, apoiar-me-ei em princípios elementares e começarei por demonstrar a necessidade de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas de saúde e de enfermidade, influi de maneira muito importante sobre a alma, que cumpre se considere cativa da carne. Para que essa prisioneira viva, se expanda e chegue mesmo a conceber as ilusões da liberdade, tem o corpo de estar são, disposto, forte. Façamos uma comparação: Eis se acham ambos em perfeito estado; que devem fazer para manter o equilíbrio entre as suas aptidões e as suas necessidades tão diferentes? Inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio. (1)
Dois sistemas se defrontam: o dos ascetas, que tem por base o aniquilamento do corpo, e o dos materialistas, que se baseia no rebaixamento da alma. Duas violências quase tão insensatas uma quanto a outra. Ao lado desses dois grandes partidos, formiga a numerosa tribo dos indiferentes que, sem convicção e sem paixão, são mornos no amar e econômicos no gozar. Onde, então, a sabedoria? Onde, então, a ciência de viver? Em parte alguma; e o grande problema ficaria sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores, demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma e dizendo-lhes que, por se acharem em dependência mútua, importa cuidar de ambos. Amai, pois, a vossa alma, porém, cuidai igualmente do vosso corpo, instrumento daquela. Desatender as necessidades que a própria Natureza indica, é desatender a lei de Deus. Não castigueis o corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu a cometer e pelas quais é ele tão responsável quanto o cavalo mal dirigido, pelos acidentes que causa.
Sereis, porventura, mais perfeitos se, martirizando o corpo, não vos tornardes menos egoístas, nem menos orgulhosos e mais caritativos para com o vosso próximo? Não, a perfeição não está nisso: está toda nas reformas por que fizerdes passar o vosso Espírito. Dobrai-o, submetei-o, humilhai-o, mortificai-o: esse o meio de o tornardes dócil à vontade de Deus e o único de alcançardes a perfeição. Jorge, Espírito Protetor. (Paris, l863.)


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(1) O último período desse parágrafo - "inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como chegarem a equilíbrio" não aparece nas novas edições francesas desde a 3ª, mas se acha na 1ª edição e, por isso, a repomos no texto, corrigindo um evidente erro de impressão. - A Editora.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A paciência



7. A dor é uma bênção que Deus envia a seus eleitos; não vos aflijais, pois, quando sofrerdes; antes, bendizei de Deus onipotente que, pela dor, neste mundo, vos marcou para a glória no céu.
Sede pacientes. A paciência também é uma caridade e deveis praticar a lei de caridade ensinada pelo Cristo, enviado de Deus. A caridade que consiste na esmola dada aos pobres é a mais fácil de todas. Outra há, porém, muito mais penosa e, conseguintemente, muito mais meritória: a de perdoarmos aos que Deus colocou em nosso caminho para serem instrumentos do nosso sofrer e para nos porem à prova a paciência.
A vida é difícil, bem o sei. Compõe-se de mil nadas, que são outras tantas picadas de alfinetes, mas que acabam por ferir. Se, porém, atentarmos nos deveres que nos são impostos, nas consolações e compensações que, por outro lado, recebemos, havemos de reconhecer que são as bênçãos muito mais numerosas do que as dores. O fardo parece menos pesado, quando se olha para o alto, do que quando se curva para a terra a fronte.
Coragem, amigos! Tendes no Cristo o vosso modelo. Mais sofreu ele do que qualquer de vós e nada tinha de que se penitenciar, ao passo que vós tendes de expiar o vosso passado e de vos fortalecer para o futuro. Sede, pois, pacientes, sede cristãos. Essa palavra resume tudo. - Um Espírito amigo. (Havre, 1862.)


domingo, 4 de setembro de 2011

Oração dominical



 I. Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o teu nome!
Cremos em ti, Senhor, porque tudo revela o teu poder e a tua bondade. A harmonia do Universo dá testemunho de uma sabedoria, de uma prudência e de uma previdência que ultrapassam todas as faculdades humanas. Em todas as obras da Criação, desde o raminho de erva minúscula e o pequenino inseto, até os astros que se movem no espaço, o nome se acha inscrito de um ser soberanamente grande e sábio. Por toda a parte se nos depara a prova de paternal solicitude. Cego, portanto, é aquele que te não reconhece nas tuas obras, orgulhoso aquele que te não glorifica e ingrato aquele que te não rende graças.
II. Venha o teu reino!
Senhor, deste aos homens leis plenas de sabedoria e que lhes dariam a felicidade, se eles as cumprissem. Com essas leis, fariam reinar entre si a paz e a justiça e mutuamente se auxiliariam, em vez de se maltratarem, como o fazem. O forte sustentaria o fraco, em vez de o esmagar. Evitados seriam os males, que se geram dos excessos e dos abusos. Todas as misérias deste mundo provêm da violação de tuas leis, porquanto nenhuma infração delas deixa de ocasionar fatais conseqüências.
Deste ao bruto o instinto, que lhe traça o limite do necessário, e ele maquinalmente se conforma; ao homem, no entanto, além desse instinto, deste a inteligência e a razão; também lhe deste a liberdade de cumprir ou infringir aquelas das tuas leis que pessoalmente lhe concernem, isto é, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, a fim de que tenha o mérito e a responsabilidade das suas ações.
Ninguém pode pretextar ignorância das tuas leis, pois, com paternal previdência, quiseste que elas se gravassem na consciência de cada um, sem distinção de cultos, nem de nações. Se as violam, é porque as desprezam.
Dia virá em que, segundo a tua promessa, todos as praticarão. Desaparecido terá, então, a incredulidade. Todos te reconhecerão por soberano Senhor de todas as coisas, e o reinado das tuas leis será o teu reino na Terra. Digna-te, Senhor, de apressar-lhe o advento, outorgando aos homens a luz necessária, que os conduza ao caminho da verdade.
III. Faça-se a tua vontade, assim na Terra como no Céu.
Se a submissão é um dever do filho para com o pai, do inferior para com o seu superior, quão maior não deve ser a da criatura para com o seu Criador! Fazer a tua vontade, Senhor, é observar as tuas leis e submeter-se, sem queixumes, aos teus decretos. O homem a ela se submeterá, quando compreender que és a fonte de toda a sabedoria e que sem ti ele nada pode. Fará, então, a tua vontade na Terra, como os eleitos a fazem no Céu.
IV. Dá-nos o pão de cada dia.
Dá-nos o alimento indispensável à sustentação das forças do corpo; mas, dá-nos também o alimento espiritual para o desenvolvimento do nosso Espírito. O bruto encontra a sua pastagem; o homem, porém, deve o sustento à sua própria atividade e aos recursos da sua inteligência, porque o criaste livre.
Tu lhe hás dito: "Tirarás da terra o alimento com o suor da tua fronte." Desse modo, fizeste do trabalho, para ele, uma obrigação, a fim de que exercitasse a inteligência na procura dos meios de prover às suas necessidades e ao seu bem-estar, uns mediante o labor manual, outros pelo labor intelectual. Sem o trabalho, ele se conservaria estacionário e não poderia aspirar à felicidade dos Espíritos superiores.
Ajudas o homem de boa-vontade que em ti confia, pelo que concerne ao necessário; não, porém, àquele que se compraz na ociosidade e desejara tudo obter sem esforço, nem àquele que busca o supérfluo. (Cap. XXV.)
Quantos e quantos sucumbem por culpa própria, pela sua incúria, pela sua imprevidência, ou pela sua ambição e por não terem querido contentar-se com o que lhes havias concedido! Esses são os artífices do seu infortúnio e carecem do direito de queixar-se, pois que são punidos naquilo em que pecaram. Mas, nem a esses mesmos abandonas, porque és infinitamente misericordioso. As mãos lhes estendes para socorrê-los, desde que, como o filho pródigo, se voltem sinceramente para ti. (Cap. V, nº 4.)
Antes de nos queixarmos da sorte, inquiramos de nós mesmos se ela não é obra nossa. A cada desgraça que nos chegue, cuidemos de saber se não teria estado em nossas mãos evitá-la. Consideremos também que Deus nos outorgou a inteligência para tirar-nos do lameiro, e que de nós depende o modo de a utilizarmos.
Pois que à lei do trabalho se acha submetido o homem na Terra, dá-nos coragem e forças para obedecer a essa lei. Dá-nos também a prudência, a previdência e a moderação, a fim de não perdermos o respectivo fruto.
Dá-nos, pois, Senhor, o pão de cada dia, isto é, os meios de adquirirmos, pelo trabalho, as coisas necessárias à vida, porquanto ninguém tem o direito de reclamar o supérfluo.
Se trabalhar nos é impossível, à tua divina providência nos confiamos. Se está nos teus desígnios experimentar-nos pelas mais duras provações, mau grado aos nossos esforços, aceitamo-las como justa expiação das faltas que tenhamos cometido nesta existência, ou noutra anterior, porquanto és justo. Sabemos que não há penas imerecidas e que jamais castigas sem causa.
Preserva-nos, ó meu Deus, de invejar os que possuem o que não temos, nem mesmo os que dispõem do supérfluo, ao passo que a nós nos falta o necessário. Perdoa-lhes, se esquecem a lei de caridade e de amor do próximo, que lhes ensinaste. (Cap. XVI, nº 8.)
Afasta, igualmente, do nosso espírito a idéia de negar a tua justiça, ao notarmos a prosperidade do mau e a desgraça que cai por vezes sobre o homem de bem. Já sabemos, graças às novas luzes que te aprouve conceder-nos, que a tua justiça se cumpre sempre e a ninguém excetua; que a prosperidade material do mau é efêmera, quanto a sua existência corpórea, e que experimentará terríveis reveses, ao passo que eterno será o júbilo daquele que sofre resignado. (Cap. V, nº 7, nº 9, nº 12 e nº 18.)
V. Perdoa as nossas dívidas, como perdoamos aos que nos devem. - Perdoa as nossas ofensas, como perdoamos aos que nos ofenderam.
Cada uma das nossas infrações às tuas leis, Senhor, é uma ofensa que te fazemos e uma dívida que contraímos e que cedo ou tarde teremos de saldar. Rogamos-te que no-las perdoes pela tua infinita misericórdia, sob a promessa, que te fazemos, de empregarmos os maiores esforços para não contrair outras. Tu nos impuseste por lei expressa a caridade; mas, a caridade não consiste apenas em assistirmos os nossos semelhantes em suas necessidades; também consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. Com que direito reclamaríamos a tua indulgência, se dela não usássemos para com aqueles que nos hão dado motivo de queixa? 
Concede-nos, ó meu Deus, forças para apagar de nossa alma todo ressentimento, todo ódio e todo rancor. Faze que a morte não nos surpreenda guardando nós no coração desejos de vingança. Se te aprouver tirar-nos hoje mesmo deste mundo, faze que nos possamos apresentar, diante de ti, puros de toda animosidade, a exemplo do Cristo, cujos últimos pensamentos foram em prol dos seus algozes. (Cap. X.)
Constituem parte das nossas provas terrenas as perseguições que os maus nos infligem. Devemos, então, recebê-las sem nos queixarmos, como todas as outras provas, e não maldizer dos que, por suas maldades, nos rasgam o caminho da felicidade eterna, visto que nos disseste, por intermédio de Jesus: "Bem-aventurados os que sofrem pela justiça!" Bendigamos, portanto, a mão que nos fere e humilha, uma vez que as mortificações do corpo nos fortificam a alma e que seremos exalçados por efeito da nossa humildade. (Cap. XII, nº 4.) Bendito seja teu nome, Senhor, por nos teres ensinado que nossa sorte não está irrevogavelmente fixada depois da morte; que encontraremos, em outras existências, os meios de resgatar e de reparar nossas culpas passadas, de cumprir em nova vida o que não podemos fazer nesta, para nosso progresso. (Cap. IV, e cap. V, nº 5.)
Assim se explicam, afinal, todas as anomalias aparentes da vida. É a luz que se projeta sobre o nosso passado e o nosso futuro, sinal evidente da tua justiça soberana e da tua infinita bondade.
VI. Não nos deixes entregues à tentação, mas livra-nos do mal. (1)
Dá-nos, Senhor, a força de resistir às sugestões dos Espíritos maus, que tentem desviar-nos da senda do bem, inspirando-nos maus pensamentos.
Mas, somos Espíritos imperfeitos, encarnados na Terra para expiar nossas faltas e melhorar-nos. Em nós mesmos está a causa primária do mal e os maus Espíritos mais não fazem do que aproveitar os nossos pendores viciosos, em que nos entretêm para nos tentarem.
Cada imperfeição é uma porta aberta à influência deles, ao passo que são impotentes e renunciam a toda tentativa contra os seres perfeitos. E inútil tudo o que possamos fazer para afastá-los, se não lhes opusermos decidida e inabalável vontade de permanecer no bem e absoluta renunciação ao mal. Contra nós mesmos, pois, é que precisamos dirigir os nossos esforços e, se o fizermos, os maus Espíritos naturalmente se afastarão, porquanto o mal é que os atrai, ao passo que o bem os repele.
Senhor, ampara-nos em nossa fraqueza; inspira-nos, pelos nossos anjos guardiães e pelos bons Espíritos, a vontade de nos corrigirmos de todas as imperfeições a fim de obstarmos aos Espíritos maus o acesso à nossa alma. 
O mal não é obra tua, Senhor, porquanto o manancial de todo o bem nada de mau pode gerar. Somos nós mesmos que criamos o mal, infringindo as tuas leis e fazendo mau uso da liberdade que nos outorgaste. Quando os homens as cumprirmos, o mal desaparecerá da Terra, como já desapareceu de mundos mais adiantados que o nosso. 
O mal não constitui para ninguém uma necessidade fatal e só parece irresistível aos que nele se comprazem. Desde que temos vontade para o fazer, também podemos ter a de praticar o bem, pelo que, ó meu Deus, pedimos a tua assistência e a dos Espíritos bons, a fim de resistirmos à tentação.
VII. Assim seja.
Praza-te, Senhor, que os nossos desejos se efetivem. Mas, curvamo-nos perante a tua sabedoria infinita. Que em todas as coisas que nos escapam à compreensão se faça a tua santa vontade e não a nossa, pois somente queres o nosso bem e melhor do que nós sabes o que nos convém.
Dirigimos-te esta prece, ó Deus, por nós mesmos e também por todas as almas sofredoras, encarnadas e desencarnadas, pelos nossos amigos e inimigos, por todos os que solicitem a nossa assistência e, em particular, por N... Para todos suplicamos a tua misericórdia e a tua bênção.
Nota - Aqui, podem formular-se os agradecimentos que se queiram dirigir a Deus e o que se deseje pedir para si mesmo ou para outrem.

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(1) Algumas traduções dizem: Não nos induzas à tentação (et ne nos inducas in tentationem). Essa expressão daria a entender que a tentação promana de Deus, que ele, voluntariamente, impele os homens ao mal, idéia blasfematória que igualaria Deus a Satanás e que, portanto, não poderia estar na mente de Jesus. É, aliás, conforme à doutrina vulgar sobre o papel dos demônios. (Veja-se: O Céu e o Inferno, 1ª Parte, cap. IX, "Os demônios".)

sábado, 3 de setembro de 2011

Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?



5. E, tendo vindo para casa, reuniu-se aí tão grande multidão de gente, que eles nem sequer podiam fazer sua refeição. - Sabendo disso, vieram seus parentes para se apoderarem dele, pois diziam que perdera o espírito. Entretanto, tendo vindo sua mãe e seus irmãos e conservando-se do lodo de fora, mandaram chamá-lo. - Ora, o povo se assentara em torno dele e lhe disseram: Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e te chamam. - Ele lhes respondeu: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E, perpassando o olhar pelos que estavam assentados ao seu derredor, disse: Eis aqui minha mãe e meus irmãos; - pois, todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. (S. MARCOS. cap. III, vv. 20, 21 e 31 a 35 - S. MATEUS, cap. XII, vv. 46 a 50.)
6. Singulares parecem algumas palavras de Jesus, por contrastarem com a sua bondade e a sua inalterável benevolência para com todos. Os incrédulos não deixaram de tirar daí uma arma, pretendendo que ele se contradizia. Fato, porém, irrecusável é que sua doutrina tem por base principal, por pedra angular, a lei de amor e de caridade. Ora, não é possível que ele destruísse de um lado o que do outro estabelecia, donde esta conseqüência rigorosa: se certas proposições suas se acham em contradição com aquele princípio básico, é que as palavras que se lhe atribuem foram ou mal reproduzidas, ou mal compreendidas, ou não são suas.
7. Causa admiração, e com fundamento, que, neste passo, mostrasse Jesus tanta indiferença para com seus parentes e, de certo modo, renegasse sua mãe. Pelo que concerne a seus irmãos, sabe-se que não o estimavam. Espíritos pouco adiantados, não lhe compreendiam a missão: tinham por excêntrico o seu proceder e seus ensinamentos não os tocavam, tanto que nenhum deles o seguiu como discípulo. Dir-se-ia mesmo que partilhavam, até certo ponto, das prevenções de seus inimigos. O que é fato, em suma, é que o acolhiam mais como um estranho do que como um irmão, quando aparecia à família. S. João diz, positivamente (cap. VII, v. 5), "que eles não lhe davam crédito”. Quanto à sua mãe, ninguém ousaria contestar a ternura que lhe dedicava. Deve-se, entretanto, convir igualmente em que também ela não fazia idéia muito exata da missão do filho, pois não se vê que lhe tenha nunca seguido os ensinos, nem dado testemunho dele, como fez João Batista. O que nela predominava era a solicitude maternal. Supor que ele haja renegado sua mãe fora desconhecer-lhe o caráter. Semelhante idéia não poderia encontrar guarida naquele que disse: Honrai a vosso pai e a vossa mãe. Necessário, pois, se faz procurar outro sentido para suas palavras, quase sempre envoltas no véu da forma alegórica.
Ele nenhuma ocasião desprezava de dar um ensino; aproveitou, portanto, a que se lhe deparou, com a chegada de sua família, para precisar a diferença que existe entre a parentela corporal e a parentela espiritual.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Advento do Espírito de Verdade



5. Venho, como outrora aos transviados filhos de Israel, trazer-vos a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como o fez antigamente a minha palavra, tem de lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinem as plantas e se levantem as ondas. Revelei a doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem esparso no seio da Humanidade e disse: “Vinde a mim, todos vós que sofreis."
Mas, ingratos, os homens afastaram-se do caminho reto e largo que conduz ao reino de meu Pai e enveredaram pelas ásperas sendas da impiedade. Meu Pai não quer aniquilar a raça humana; quer que, ajudando-vos uns aos outros, mortos e vivos, isto é, mortos segundo a carne, porquanto não existe a morte, vos socorrais mutuamente, e que se faça ouvir não mais a voz dos profetas e dos apóstolos, mas a dos que já não vivem na Terra, a clamar: Orai e crede! pois que a morte é a ressurreição, sendo a vida a prova buscada e durante a qual as virtudes que houverdes cultivado crescerão e se desenvolverão como o cedro.
Homens fracos, que compreendeis as trevas das vossas inteligências, não afasteis o facho que a clemência divina vos coloca nas mãos para vos clarear o caminho e reconduzir-vos, filhos perdidos, ao regaço de vosso Pai.
Sinto-me por demais tomado de compaixão pelas vossas misérias, pela vossa fraqueza imensa, para deixar de estender mão socorredora aos infelizes transviados que, vendo o céu, caem nos abismos do erro. Crede, amai, meditai sobre as coisas que vos são reveladas; não mistureis o joio com a boa semente, as utopias com as verdades.
Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo. No Cristianismo encontram-se todas as verdades; são de origem humana os erros que nele se enraizaram. Eis que do além-túmulo, que julgáveis o nada, vozes vos clamam: "Irmãos! nada perece. Jesus-Cristo é o vencedor do mal, sede os vencedores da impiedade." - O Espírito de Verdade. (Paris, 1860.)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A reencarnação fortalece os laços de família, ao passo que a unicidade da existência os rompe



18. Os laços de família não sofrem destruição alguma com a reencarnação, como o pensam certas pessoas. Ao contrário, tornam-se mais fortalecidos e apertados. O princípio oposto, sim, os destrói.
No espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçados pela afeição, pela simpatia e pela semelhança das inclinações. Ditosos por se encontrarem juntos, esses Espíritos se buscam uns aos outros. A encarnação apenas momentaneamente os separa, porquanto, ao regressarem à erraticidade, novamente se reúnem como amigos que voltam de uma viagem. Muitas vezes, até, uns seguem a outros na encarnação, vindo aqui reunir-se
numa mesma família, ou num mesmo círculo, a fim de trabalharem juntos pelo seu mútuo adiantamento. Se uns encarnam e outros não, nem por isso deixam de estar unidos pelo pensamento. Os que se conservam livres velam pelos que se acham em cativeiro. Os mais adiantados se esforçam por fazer que os retardatários progridam. Após cada existência, todos têm avançado um passo na senda do aperfeiçoamento.
Cada vez menos presos à matéria, mais viva se lhes torna a afeição recíproca, pela razão mesma de que, mais depurada, não tem a perturbá-la o egoísmo, nem as sombras das paixões. Podem, portanto, percorrer, assim, ilimitado número de existências corpóreas, sem que nenhum golpe receba a mútua estima que os liga.
Está bem visto que aqui se trata de afeição real, de alma a alma, única que sobrevive à destruição do corpo, porquanto os seres que neste mundo se unem apenas pelos sentidos nenhum motivo têm para se procurarem no mundo dos Espíritos. Duráveis somente o são as afeições espirituais; as de natureza carnal se extinguem com a causa que lhes deu origem.
Ora, semelhante causa não subsiste no mundo dos Espíritos, enquanto a alma existe sempre. No que concerne às pessoas que se unem exclusivamente por motivo de interesse, essas nada realmente são umas para as outras: a morte as separa na Terra e no céu.